I – A volta
Mais um
dia pacato, o céu estava nublado mas eu não tinha certeza se choveria ou não.
Acredito que minha rotina não deve ser citada, já que seria apenas repetir as
mesmas coisas. Como os leitores podem notar, eu tenho um tom depressivo. Tudo
que escrevo ou falo parece um pouco melancólico e cinza. Isso acontece em
certas épocas, e é bem notável. Nunca fui o tipo de pessoa que demonstra estar
feliz o tempo todo. Quando me deprimo, deixo isso bem claro... até minha câmera
aparecer.
Até
pensei em tirar foto daquele céu nublado com minha câmera Diana F+, mas pensei
que talvez pudesse ficar um pouco escura, e também por eu não conseguir
descrever aquele céu, apenas dizer: cinza.
Fiz meu
trajeto para o trabalho de ônibus, não gostava muito de carros, era
ambientalista até demais. No segundo capitulo desse livro, finalmente decido
escrever quem eu realmente sou: meu nome é Alice, sou formada em Letras,
trabalho na maior parte do tempo numa editora, analisando textos e corrigindo
palavras.As vezes fazia uma tradução ou outra pra ganhar um dinheiro extra.
Bebo e tomo remédios pra esquecer dos problemas, parece algo muito comum pra se
escrever num livro. Meu sonho? Escrever um livro e acabar parando na Academia
Brasileira de Letras. O que já fez muito de meus professores rirem, coisa muito
improvável.
Perguntava-me
todos os dias se eu podia sonhar tanto. Deixando o baixo astral de lado, entrei
no jornal e logo subi para meu lugarzinho confortável de sempre, parei na
cozinha, peguei mais um copo de café e fui fazer o trabalho do dia-a-dia. Que
coisa inesperada.
Meus
pensamentos eram irônicos, mas os fatos realmente eram inesperados. Quando fui
cumprimentar Mariana, vi que ela estava com uma expressão estranha, um tanto
debochada. Olhei para meu lugar, vi que tinha alguém sentado ali, sem pensar ou
analisar, fui direto em direção da pessoa. Que ousadia, quem seria pra sentar
no meu lugar? (Consigo ser chata por mexerem nas minhas coisas ou sentarem no
meu lugar na maioria das vezes)
- Com
licença – disse com uma voz alta e firme. Li numa revista que isso era impor
sua vontade e que era provável que a pessoa ficasse com medo de você, ou algo
do gênero. Cheirava a bobagem.
Quando
aquela pessoa se virou. Não. Não era. Não podia ser. Não, não, não, não. NÃO!
Ainda bem que eu não falei em voz alta todos esses “nãos”, soaria estranho e
ridículo.
Era ele.
Ele. ELE. Pensei em milhares de palavrões, era impossível aquilo. Como ele me
achou? Como isso estava acontecendo? Eu estava sonhando? Por que eu parecia uma
adolescente de filmes americanos?
- Oi. –
disse ele, levantando-se e mexendo no cabelo. Era evidente que ele também
estava nervoso.
- Oi. –
respondi, comecei a sentir um frio tomando conta do meu corpo inteiro. Chamem
uma ambulância, estou tendo um ataque cardíaco.
Mariana
parecia se divertir com tudo aquilo, começou a rir alto do próprio destino.
- Então,
espero que você não se importe por eu ter vindo sem avisar.Não sabia seu
telefone – continuou nervoso.
- Não
tem problema, hoje o dia não está muito cheio.
Ficamos
num silêncio mortal por alguns segundos, olhando pra baixo, sem saber o que dizer.
O que eu poderia falar? Fazia 1 ano que eu não tinha contato nenhum com aquele
homem. Ele não parecia ter mudado muito fisicamente, continuava do mesmo jeito
com a aparência um tanto bruta, cabelos escuros e olhos não tão dóceis.
- Quer
se sentar? – perguntei, já não sabendo mais o que dizer, todas as ideias
passavam na minha cabeça em tão pouco tempo.
- Sim,
claro.
Puxei
uma cadeira na minha frente. Ele se sentou e os segundos de silêncio pareciam
lâminas de dúvida me cortando. O que eu faria agora? Já tinha visto essa cena
em vários filmes românticos que assisti quando me sentia muito sozinha e sem
motivo pra viver. Acho que Mariana tinha razão, eu era um merda de uma
dramática.
- Eu
queria passar aqui rapidinho, não quero atrapalhar seu trabalho. – disse ele
numa educação que não era muito normal quando convivíamos.
- Não se
preocupe, não está me atrapalhando. – respondi educadamente, como ele.
- Então,
você está feliz? – perguntou. Não sei qual era a intenção da pergunta. Não sei
se era uma pergunta educada ou curiosidade mesmo. Várias dúvidas giravam em
torno da minha cabeça, perguntei-me se não era velha demais pra sentir tantas
dúvidas.
Após
algum tempo pensando na pergunta, respondi falsamente:
- Sim,
eu sou muito feliz.
- Fico
feliz – sua resposta não parecia ser sincera, assim como a minha. – Com o que
você trabalha aqui? Finalmente encontrou o que estava procurando?
Ele me
lançou outra bomba no meu colo. Fazia perguntas tão estranhas, que eu analisava
todos os dias mas nunca obtia uma resposta satisfatória. Na verdade, eu sentia
que nunca iria encontrar o que estava procurando. A vida sempre me levaria a
buscar outras coisas, talvez fosse assim com todo mundo.
- Eu
edito alguns textos, analiso pra ver se estão escritos corretamente, traduzo
algumas coisas, nada muito especial. – respondi a primeira pergunta, evitei
responder a segunda.
De
primeira nem perguntei o que ele andava fazendo, preferia deixar minha mente
imaginar ou simplesmente não saber muito sobre isso. Tinha medo da pessoa que
estava na minha frente, e isso era a verdade.
- Olha,
eu sei que é muito estranho, mas será que na hora do almoço podemos ir na
lanchonete da esquina comer alguma coisa? – começou a rir, seus gestos
indicavam que ele estava nervoso. Conhecia todos seus gestos e expressões: de
raiva, tristeza, alegria, desespero e nervo.
- Sim,
claro. – respondi sem pensar, muito menos analisar a proposta, mesmo que eu
faça isso na maior parte do tempo.
- Ótimo,
venho te buscar.
Assim
que ele saiu, fiquei paralisada na cadeira. Todos os sentimentos começaram a
girar em torno de mim, eu devia ter aceitado? Então reconheci que devia
arriscar mais uma vez. De vez em quando eu tinha ataques de fazer sem pensar,
de maneira livre, assim como eu sentia que era quando não estava me entupindo
de remédios pra dormir.
Mariana
pulou da cadeira dela e veio até minha mesa. Ficou olhando e rindo muito:
- O
destino está a favor ou contra você?
- Não
faço ideia. – sorri.
Eu
estava desesperada, minha vontade era de correr e gritar, mas eu estava muito
feliz por dentro.
Na hora
do almoço, dei um passo pra algo que eu não fazia ideia de como seria. E eu me
sentia bem.